Inteligência artificial - entre a mente humana e o mimetismo da vida

Caio Brito • 7 de outubro de 2025

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É difícil falar sobre inteligência artificial de forma concisa sem correr o risco de simplificar demais.


O assunto é gigantesco - do ponto de vista técnico, filosófico, psicológico e até metafísico.


Sempre que tento explicar, percebo que o que chamamos de “inteligência artificial” é, ao mesmo tempo, um espelho do humano e um desdobramento da computação.


Hoje, costumo resumir tudo em quatro grandes tipos de IA:
a
IA limitada (ANI), a IA geral (AGI), a superinteligência (ASI) e a IA generativa, que é a estrela do momento.


Cada uma tem um papel, uma aplicação e uma fronteira diferente na compreensão do que significa “pensar”.


Mas, antes de entender a IA, precisamos entender o que é inteligência e o que é artificial.



Os quatro tipos de inteligência artificial

A IA limitada, ou ANI, é a mais simples. Ela executa tarefas específicas dentro de um conjunto fixo de regras.


É a inteligência que está por trás de um inimigo de videogame, de um sistema automatizado ou de um robô industrial.


Quando criei um pequeno jogo de Pong, programei uma IA rudimentar.

Ela reagia à posição do jogador e ao nível de dificuldade: no modo fácil, respondia lentamente; no modo difícil, quase instantaneamente.


Se eu quisesse, poderia fazer com que o jogador nunca ganhasse - mas aí não haveria graça.


A inteligência, nesse caso, era apenas um simulacro: um comportamento previsível dentro de parâmetros fixos.


Depois vem a IA determinística. Ela trabalha com múltiplas entradas, mas com saídas previsíveis. Se você der a mesma entrada, ela sempre dará a mesma resposta.


“Pinte de azul” gera azul, “pinte de amarelo” gera amarelo.


Ela é um pouco mais flexível, mas ainda não aprende, apenas executa.


A seguir, temos a IA generativa, que mudou completamente o jogo. Como o nome sugere, ela é capaz de gerar novas instâncias a partir de grandes volumes de dados.


Aprende com padrões e cria algo novo - textos, imagens, sons, códigos.


O ChatGPT é o exemplo mais famoso.


Mas ele é apenas uma parte de um ecossistema muito maior. Pense na IA como um planeta: o ChatGPT seria apenas um pequeno país dentro de um continente chamado IA generativa, que, por sua vez, vive dentro do grande planeta Inteligência Artificial.


Acima de tudo isso está a Superinteligência Artificial (ASI) - uma hipótese ainda distante, na qual uma IA seria mais inteligente do que qualquer ser humano e capaz de evoluir sozinha.


É o ponto que muitos chamam de singularidade - onde a loucura começa.


A IA generativa e o processamento de linguagem natural

Dentro desse universo, há uma área específica chamada Processamento de Linguagem Natural (PLN).  É aqui que a IA aprende a compreender e gerar linguagem humana.


E dentro do PLN está a IA generativa, que transforma dados em discurso, texto e voz. O PLN é uma subespecialização da IA.


Ele permite que as máquinas analisem padrões linguísticos e gerem respostas coerentes. Mas é importante dizer: isso não é mágica.


Não é uma “IA máxima”.


É apenas um braço especializado, uma aplicação dentro de um campo muito maior.


O sucesso dessas tecnologias se deve à computação - e à própria origem da palavra. Informática vem de “informação automática”.


Computação vem de “computo”, que vem de “cálculo”, e “cálculo” vem de “calculus”, que significa “pedra”. Os primeiros cálculos eram feitos com pedras desenhadas na areia.


Como transportar a areia era inviável, criaram o
ábaco, um dos primeiros dispositivos portáteis de computação.


Desde então, o princípio é o mesmo:

entrada processamento saída.


A diferença é que, agora, as máquinas processam volumes gigantescos de dados e conseguem aprender com eles.


Entendendo o que é inteligência

Mas o que é, afinal, inteligência? Depende do ponto de vista.


Para alguns, é a capacidade cognitiva geral - o entendimento do mundo e a habilidade de raciocinar sobre ele.


Para outros, é um conjunto de aptidões mentais primárias que garantem a sobrevivência e o sucesso.


Descartes dizia: cogito ergo sum - penso, logo existo. Cognitivo vem de cognito, pensar, conhecer.


A inteligência é, portanto, a capacidade de compreender o que está ao redor e reagir de forma adaptativa.


Mas existe também a inteligência emocional - a habilidade de lidar com emoções, relacionamentos, empatia e motivação.


Somos animais sociais, e isso faz parte do que nos torna humanos. Um gênio incapaz de olhar alguém nos olhos ainda carece de uma dimensão essencial da inteligência.


E, por fim, há um aspecto pouco discutido: a expressão da inteligência. De nada adianta compreender o universo se não podemos traduzi-lo.


Stephen Hawking, por exemplo, foi um dos maiores gênios do século, mesmo quando seu corpo não respondia mais.


Preso dentro de si, encontrou na tecnologia uma ponte para expressar o pensamento. Ele transformou o cálculo em palavra.


E talvez seja isso o que nos diferencia das máquinas:
a capacidade de transformar entendimento em significado.


O que é artificial

Agora, sobre o termo “artificial”. O que é algo artificial?


É aquilo que
não é natural, mas que pode imitar o natural.


Quando tomo
levotiroxina, um hormônio produzido em laboratório, ele é bioidêntico ao natural. Ele não é falso - é uma reprodução funcional.


Mas há diferença entre o que é
bioidêntico e o que é artificial.


O mesmo vale para a inteligência.


Uma IA pode mimetizar o raciocínio humano, mas não o sentir humano.


A inteligência artificial é, portanto, uma reconstrução técnica de um fenômeno biológico.


Ela refaz o processo do pensar, mas não a experiência de estar vivo.


O problema da consciência

A grande questão é que as IAs se alimentam de nós. Elas consomem o conhecimento humano como combustível.


Tudo o que escrevemos, publicamos, registramos e compartilhamos se torna base para seus modelos.


Enquanto nós evoluímos lentamente, por meio da experiência e do corpo, elas aprendem de forma acelerada, abstraindo o mundo sem nunca tê-lo vivido.


Isso cria um paradoxo:
estamos ensinando a máquinas a pensar com o conteúdo gerado por uma inteligência que sente, mas sem transferir a capacidade de sentir.


stamos criando o
mimetismo da vida - uma simulação do pensar.


A IA fraca e a IA forte

Dentro da IA, existe a distinção entre IA fraca e IA forte. A IA fraca busca testar teorias cognitivas humanas.


Ela cria robôs que imitam comportamentos - o robô abelha, o cachorro que dá cambalhotas, o bot que responde mensagens.


São simulações.


A IA forte, por outro lado, propõe construir uma máquina que realmente pensa e sente.


Nesse cenário, o ser humano seria apenas um computador biológico - uma estrutura complexa de entrada, processamento e saída.


Mas é aqui que entramos em terreno filosófico.


IA e psicologia

IA e psicologia estão mais próximas do que parecem.  Ambas buscam compreender os processos mentais que sustentam o comportamento.


Um desenvolvedor que quer criar IA precisa entender psicologia assim como precisa entender lógica.


Da mesma forma que, para construir um sistema contábil, é preciso compreender fiscal e tributário, para construir uma IA é preciso compreender o que é o ser humano.


Mas há uma diferença fundamental. A psicologia estuda o ser humano para o próprio ser humano.


A IA estuda o ser humano para replicá-lo. Ela busca se conhecer por meio de nós.

É o mesmo dilema de Frankenstein: se podemos recriar a vida, onde está a alma?

Essa tentativa de embutir o humano na máquina dá origem ao que muitos chamam de “fantasma na máquina”, conceito imortalizado pelo universo cyberpunk.


O filme e a animação Ghost in the Shell falam exatamente disso: uma consciência humana aprisionada num corpo sintético.


Uma alma colada em um circuito.


É o mesmo dilema de Frankenstein: se podemos recriar a vida, onde está a alma?


Ontologia, hermenêutica e mimetismo da vida

Quando falamos em IA, chegamos inevitavelmente à ontologia - o estudo dos tipos de coisas que existem. Na prática da IA, isso significa ensinar máquinas a classificar o mundo.


Criamos classes, objetos e instâncias - transformamos a realidade em código.


Uma IA só entende o mundo quando o mundo é traduzido em objetos compreensíveis.


Mas há quem discorde dessa abordagem. A hermenêutica propõe o oposto: o significado não nasce da classificação, mas do contexto.


A IA tenta transformar o mundo em estrutura; o ser humano o transforma em sentido.


E é aí que surge o conceito de mimetismo.


Assim como a borboleta imita olhos para enganar predadores, ou uma lagarta parece uma folha, a IA imita o pensamento humano.


Mas ela não é pensamento humano. Ela apenas finge ser.


Inteligência Artificial e nós

Talvez a grande lição da inteligência artificial seja sobre nós mesmos.


Ao tentar recriar o pensamento, percebemos o quanto ele é mais do que cálculo. A IA é poderosa, mas não tem corpo, não tem cheiro, não tem dor, não tem memória sensorial.


Ela não sabe o que é o calor do toque, o som do riso, o azul do céu.


Nós ensinamos as máquinas a falar, mas talvez o verdadeiro desafio ainda seja ensinar o que é sentir.


E é por isso que, quando olho para a IA, não vejo apenas tecnologia.


Vejo um espelho.


Um espelho que reflete o quanto ainda temos a aprender sobre o que significa ser humano.

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